Talvez soe tarde para falar do Oscar. A cerimônia já passou, os vencedores foram aplaudidos, os discursos emocionaram. Mas há temas que não vencem o tempo, e silenciar diante deles seria, em si, uma injustiça. Falar agora é necessário. Falar agora é justo. Porque há ausências que doem mais do que presenças, e uma delas foi a estatueta que não chegou às mãos de Demi Moore, por sua entrega monumental em The Substance.
Aos 62 anos, Demi não apenas atuou, ela filosofou com o corpo, teceu sociologia com o olhar, gritou com o silêncio e nos ofereceu uma aula magistral sobre o que significa ser mulher, ser artista, ser humana. Sua atuação foi um acontecimento. Um gesto. Uma denúncia. Uma oferenda.
The Substance não é só um filme. É um manual do que não fazer com a própria existência. É a anatomia da obsessão pela juventude eterna, um culto moderno, cruel, anestesiante. Demi, corajosa e entregue, nos mostra com brutal lucidez os horrores de viver em função de um ideal inatingível, onde o envelhecimento é tratado como falha e a aparência, como valor absoluto. Ela não interpretou uma personagem. Ela encarnou uma crítica. Ela se fez mensagem.
E que mensagem! Em tempos onde tudo é volátil, editável, substituível, ela nos lembrou do valor da substância, daquilo que não se vê com os olhos, mas que se sente com a alma. Em uma sociedade obcecada pelo efêmero, Demi Moore deu um banho de clássico, de ética, de densidade. Fez brotar na tela o que tantos lamentam estar ausente no cinema atual: reflexão, profundidade, incômodo necessário.
Sua atuação foi um antídoto contra o vazio. Uma provocação estética e existencial. Ela nos ensinou, com a própria pele, que envelhecer não é perder valor, é acumular sentido. E por isso, sua performance não merecia apenas um Oscar. Merecia uma Academia inteira.
Mas o que a Academia fez? Aplaudiu o conforto. Premiou o conhecido. Optou pelo seguro. Não há, aqui, demérito aos vencedores, todos talentosíssimos. Mas é preciso dizer: a escolha foi previsível, reciclada, tímida diante de uma atuação que foi absolutamente extraordinária.
Demi Moore, em The Substance, não pediu aplausos. Ela nos estendeu um espelho. E nos desafiou a encará-lo. Negar a ela o reconhecimento é negar a coragem de olhar para aquilo que mais nos assusta: o tempo, a decadência, a perda da beleza tal como nos ensinaram a desejá-la.
Mas quem disse que a beleza está no que é novo?
Demi nos mostrou que a beleza está no que é verdadeiro. E a verdade, muitas vezes, não sorri. Não é jovem. Não é leve. A verdade pesa. E foi esse peso. O peso da arte real, da entrega crua, da maturidade potente, que ela nos deu.
O Oscar não foi seu. Mas a permanência será.
Porque há atuações que brilham uma noite — e há outras que iluminam o nosso entendimento sobre o que realmente importa.
Demi fez isso.
E isso, sim, é eterno.
Claudia Cataldi é Cientista Política formada em Jornalismo, Publicidade, Tenologia e Direito, Alumni da Escola Superior de Guerra – CAEPE