O casamento de Yamim Lobo e Roberto Jr. no Quilombo do Grotão foi um marco de ancestralidade, fé plural e resistência cultural em Niterói.
Um casamento histórico em território quilombola
No dia 6 de setembro, o Quilombo do Grotão, em Niterói, recebeu um dos eventos mais marcantes de sua história: o casamento de Yamim Lobo e Roberto Jr.. Mais do que uma união, a cerimônia se tornou um ato de representatividade, espiritualidade e resistência, reunindo cerca de 200 convidados em um espaço de memória e liberdade.

Rito conduzido por Ivanir dos Santos
A celebração foi conduzida pelo Babalawô Ivanir dos Santos, pai da noiva, que destacou a força ancestral de Orunmilá, o orixá do destino.
“Foi em solo de um quilombo que celebrei, com toda a força ancestral, o casamento da minha filha. Como Babalawô, conduzi o rito de Ifá e, em seguida, tive a honra de receber amigos de diferentes caminhos da fé para uma bênção inter-religiosa. Mais do que uma cerimônia de casamento, vivemos juntos um gesto de harmonia entre crenças, onde a fé se mostrou plural e o respeito, universal”, afirmou.
O Babalawô Marcelo Monteiro Ifamakanjuọla Alabi Adedosu também participou, trazendo a tradição yorùbá em rituais que simbolizam a união entre famílias e a bênção dos ancestrais.
Uma bênção inter-religiosa
Após o rito de Ifá, a celebração contou com uma bênção inter-religiosa que reuniu diferentes expressões de fé:
- O Arcebispo Kyohaku Correia (Budismo Primordial) destacou a sacralidade da união e citou o mantra Namumyouhourenguekyou.
- A pastora Lusmarina Garcia (Igreja Luterana) pediu que Deus renovasse diariamente o amor dos noivos.
- A Mãe Mirian de Oyá (Umbanda) invocou a proteção dos Orixás, caboclos e pretos-velhos.
- O pastor e cantor Kleber Lucas emocionou os presentes ao cantar Deus Cuida de Mim.
- O Padre Gegê ressaltou que a fé encontra unidade no gesto de amar.
Estética, ancestralidade e celebração
Sob a curadoria do cerimonialista Leco Biagioni, a festa rompeu com padrões tradicionais e assumiu caráter político e simbólico.
- A noiva vestiu um modelo de Bia Vaz, inspirado em Oxum, com búzios no lugar das pérolas tradicionais.
- O noivo, padrinhos e o próprio Ivanir dos Santos usaram trajes de Thiago Soares de Assis.
- O bolo do Ateliê Carol Guimarães e os doces do Doce Vício Chocolates reforçaram a simbologia da ancestralidade.
- O brinde ficou por conta do Luxe Prime Drinkeria.
A decoração, assinada também por Biagioni, privilegiou tecidos africanos, vasos de barro e folhagens exuberantes, criando uma atmosfera de raiz e resistência.
Entre os convidados estavam personalidades como Marquinhos de Oswaldo Cruz, a atriz Maria Gal e escritores como Heleana Theodoro e Jacques d’ Adesky.
Sabores e música de raiz
A gastronomia foi marcada por pratos típicos brasileiros, como mini moqueca de banana-da-terra, baião de dois com queijo coalho, além da tradicional feijoada, assinada pelo chef Renatão, do próprio quilombo.
A festa foi embalada por um show do grupo Awurê, que celebrou a ancestralidade africana em forma de música.
Amor, resistência e futuro
Para o cerimonialista Leco Biagioni, organizar o evento foi “uma honra imensa”, transformando a cerimônia em um gesto de valorização das raízes afro-brasileiras.
O pai da noiva resumiu o simbolismo do momento:
“É um gesto de reafirmação das nossas raízes, da liberdade religiosa e da resistência que os quilombos simbolizam na história do Brasil. Essa união carrega o amor, mas também a força de uma ancestralidade que continua viva e presente. Para mim, é motivo de grande orgulho e esperança.”
No auge da celebração, ao som de atabaques e cânticos em iorubá, duas pombas brancas foram soltas, simbolizando a paz.
Como disse um convidado: “foi uma das cerimônias mais pretas e mais lindas que já participei”.